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Rita e
Roberto

Comparado a Lennon e McCartney por músicos brasileiros, casal de compositores recebeu homenagem no palco do Prêmio UBC 2024 — e, claro, também nos bastidores

por_Lauro Neto de_São Paulofotos_Miguel Sá

fotos_Miguel Sá
Comparado a Lennon e McCartney por músicos brasileiros, casal de compositores recebeu homenagem no palco do Prêmio UBC 2024 — e, claro, também nos bastidores

por_Lauro Neto de_São Paulo

O Teatro B32, em São Paulo, não será mais o mesmo. Palco do Prêmio UBC 2024, que homenageou Rita Lee e Roberto de Carvalho na noite de 4 de dezembro, ainda verá ressoar, por muito tempo, a energia emanada pelas vozes dos artistas que interpretaram 13 canções da dupla, num espetáculo inesquecível. Não é exagero. Era como se Rita estivesse presente.

Roberto de Carvalho

Roberto de Carvalho com o prêmio

Tinha até um certo pudor de me aproximar deles, de não ficar amigo para não deixar de ter os ídolos. Mas acabei conhecendo e, em casa, eram melhores ainda do que no palco.

Leo Jaime

E ela estava. No eterno companheiro, Roberto; no filho Beto Lee, outro protagonista da noite. Que comandou a banda Rita Lee e recebeu convidados a peso de ouro para reinterpretar clássicos da dupla, gente do quilate de Leo Jaime, Pitty e Fernanda Abreu, além de outras pedras preciosas de novas gerações, muito buriladas, como Zé Ibarra, Chico Brown, Kell Smith, Carol Biazin, Grazi Medori e Matu Miranda.

Roberto se sentiu tão em casa que, depois de receber o troféu das mãos de Fernanda Takai, diretora vogal da UBC, e Marcel Klemm, diretor-geral da Warner Chappell Music Brasil, puxou os versos de “Lança Perfume”, alertando, antes, com bom humor, que a plateia ouviria o cantor mais desafinado da noite. Mas no peito dos desafinados também bate um coração, e a emoção se espalhou entre os artistas convidados, que o rodearam para afinar o coro do rock carnavalesco, fechando a noite.

Findo o espetáculo, o homenageado ficou ainda por bastante tempo no palco para conversar com os convidados. O carioca inveterado, radicado em São Paulo por 50 anos, estava muito à vontade na terra de sua musa. Não haveria mesmo melhor lugar para a inédita homenagem da UBC à dupla que a cidade cuja mais completa tradução é Rita.

O compositor elogiou o ineditismo do prêmio, conferido pela primeira vez a uma dupla de compositores:

“[O prêmio] é importantíssimo e está acontecendo na hora mais certa possível. Hoje eu estava pensando, meditando muito sobre isso. Fico imensamente honrado, feliz com essa homenagem. Mas tenho certeza de que a pessoa que mais ficaria honrada, feliz, com um senso de justiça e de recompensa, seria a Rita. Porque ela sempre foi a fã número um dessa parceria. Sinto muito a presença dela, feliz, satisfeita.”

“Sempre achei que a nossa música e, até mesmo, as nossas personalidades se moldavam e se expressavam na minha carioquice e na paulistanice da Rita, que não podia ser mais adequada à definição do Caetano (Veloso). Nas raízes, sou bem carioca, sou bem praia. Essa fusão Rio-São Paulo entre nós é que resultou nessa coisa legal. Acho que somos, talvez, a testemunha e a prova mais musical do entrosamento e de quanto o resultado dessa fusão pode ser profícuo”, disse Roberto à Revista.

O momento final do espetáculo, com os artistas reverenciando Roberto (e Rita)
O momento final do espetáculo, com os artistas reverenciando Roberto (e Rita)

CANÇÃO DE AMOR E SEXO

Ele ainda rememorou a música mais emblemática para o casal, feita com muito amor — e sexo também — para dar um exemplo da sintonia deles:

“É ‘Mania de Você’. Falo por mim e pela Rita, porque várias vezes ela falou. Pela primeira vez, tivemos uma fusão tão bem engendrada e orgânica. Foi tudo feito de uma maneira natural, depois de um momento maravilhoso de amor. Estávamos suados, peguei o violão, meio num estado de êxtase, ela também, com o caderninho... Comecei a tocar os acordes, começaram a nascer a música e a letra, simultaneamente. Em meia hora, já estava tudo pronto.”

Eles têm um legado tão grande, tão forte, tão potente e vigoroso, que é como se fossem uma entidade da composição.

Fernanda Abreu

Como amor é prosa, a Revista também conversou com outros artistas e convidados, que contaram histórias e memórias marcantes da convivência com a dupla de homenageados.

Wilson Simoninha, diretor vogal da UBC e mestre de cerimônias na noite da premiação, recordou uma situação em que ele e Rita estiveram em papeis invertidos. Foi no VMB, prêmio da MTV Brasil, que, na edição de 2000, homenageou Wilson Simonal.

“Meu pai tinha acabado de morrer, e eu ia fazer uma apresentação na MTV, com uma superbanda e outros artistas. Quando Rita me viu, no backstage, eu já estava preparado pra entrar. Ela começou a falar muitas coisas do meu pai, da ligação deles dois, como eles foram amigos, como ela gostava dele, e ela se emocionou. E ela me emocionou. Foi muito gozado, porque eu entrava meio que à capela para cantar 'Tributo a Martin Luther King’, uma música escrita pelo meu pai e dedicada a mim”, detalhou Simoninha.

Marcello Castello Branco e Roberto de Carvalho

Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC, com Roberto

O cantor, que lançara seu primeiro disco naquele ano, viveu algo parecido com a experiência de Roberto de Carvalho na noite do Prêmio UBC.

“Entrei completamente atrapalhado, desafinado, porque estava muito emocionado por aquele momento, por aquele carinho dela. Apesar de ter dado uma desafinada no começo, foi a desafinada mais bacana da minha vida por tudo que aconteceu nesse papo que tive com a Rita”, riu, ainda com os olhos marejados.

UM ACÚSTICO PARA FICAR NA MEMÓRIA

Foi também na MTV que Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC, vivenciou uma das histórias mais marcantes ao lado do casal. Sem nem sonhar que, décadas depois, ele participaria da escolha da dupla para uma homenagem inédita no Prêmio UBC, Castello Branco, então presidente da Universal Music Brasil, fechou o contrato do seu primeiro disco com os dois em 1998: o “Acústico MTV Rita Lee”, que vendeu mais de um milhão de cópias.

E o executivo foi testemunha ocular da história, nas primeiras fileiras do show de gravação, que eternizou interpretações como a de “Mania de Você”, em que Rita improvisou versos ao lado de Milton Nascimento, fazendo rimar Bituca, o apelido do cantor e compositor, e cuca.

“Eu me lembro, como se fosse hoje, da noite dessa gravação, quando ela brinca com o Milton. Quando vejo esse vídeo, me emociono porque eu estava ali na frente, vendo a cara dele: como é que ele, honesta e inesperadamente, sorriu pra Rita, e a Rita tirando um sarro dele. Também me possibilitou um reencontro com Rita e Roberto, conversas em São Paulo, no Rio, nos restaurantes. Para mim, esse é um dos momentos mais caros da minha carreira como produtor: ter viabilizado, participado e contribuído para que eles fizessem esse disco maravilhoso”, afirmou.

Fernanda Abreu

Fernanda Abreu se apresenta

Após homenagear o baiano Gilberto Gil, o carioca Erasmo Carlos, o mineiro Milton Nascimento, o paraibano Herbert Vianna, o alagoano Djavan, o pernambucano Alceu Valença e o baiano Caetano Veloso, Castello Branco explicou a escolha pelo casal paulistano-carioca.

“A gente achou que valia muito a pena homenagear a dupla, que também é um ineditismo desse prêmio, pelas 145 obras que eles fizeram em conjunto. A grande particularidade desse prêmio é que a gente está homenageando obras conjuntas. Não está tendo o olhar para a Rita sem o Roberto, e vice-versa. É a obra que eles produziram em função dessa ponte aérea amorosa”, explica.

RITA E ROBERTO EM CASA

Leo Jaime foi outro a contar histórias saborosas do casal, especificamente de sua vida cotidiana. Ele lembrou ter relutado um pouco em se aproximar dos ídolos fora do ambiente profissional.

Beto Lee (à esquerda) com um dos muitos convidados, o produtor e apresentador de podcast Clemente Magalhães

“Tinha até um certo pudor de me aproximar deles, de não ficar amigo para não deixar de ter os ídolos. Mas acabei conhecendo e, em casa, eram melhores ainda do que no palco. Meus interesses tinham muito a ver com os do Roberto, como a astrologia, que estudei e ele também. E tinha um negócio de vida normal, vida comum. Lembro de um dia chegar na casa deles, e a Rita estar procurando os três filhos, que tinham se escondido para não fazer dever de casa: ‘só um minutinho que tenho que achar essas três pestes e botar para estudar’”, contou aos risos.

Na noite do Prêmio UBC, Beto Lee fez o dever de casa com zelo e maestria na direção artística do espetáculo. O desafio começou muito tempo antes para escolher apenas 13 canções de um universo de mais de 160 composições do casal.

“A composição é a base e a fundação de tudo. Celebrar essa dupla de compositores é uma valorização inenarrável. Foi sensacional! Estamos falando da vida e obra de Dona Rita e Seu Roberto. Como filho, foi difícil conter as emoções numa noite como essa. Mas a parte mais difícil foi resolver o quebra-cabeça para sintetizar 60 anos de carreira em 1h30 de show. Juntar a banda e a galera para tocar foi mais fácil. Acertamos na mosca!”, comparou.

Entre os destaques da nova geração, os agudos e falsetes de Zé Ibarra na interpretação irretocável de “Mania de Você” conquistaram não apenas Beto, que a qualificou como um “golaço” e “uma surpresa absurda” - mesmo sem ensaio. A performance arrebatadora mostrou por que o integrante do Bala Desejo caiu nas graças de Milton Nascimento, Caetano Veloso e metade da MPB. Antes do show, ele havia conversado com a Revista da UBC e mostrado uma serenidade nada ensaiada.

“Foi a primeira música da Rita com o Roberto em que me liguei, na casa do meu pai, onde ouvíamos muita música. Conheci o Beto na casa dele num sarau noutro dia, e foi muito legal porque temos as mesmas referências. Ficamos tocando violões, joãogilberteando. Rolou uma vibe e um frisson entre nós. Eles me chamaram, mas não escolhi nada”, revelou.

No momento mais aguardado da noite, a entrega do troféu não comoveu apenas o homenageado. Fernanda Takai, diretora vogal da UBC, e Marcel Klemm, diretor-geral da Warner Chappell Music no Brasil, também se emocionaram.

“Cresci vendo clipe da Rita e aprendi a tocar guitarra fingindo ser o Roberto no palco. Eles são indivisíveis. Durante a pandemia, lembro de bater papo com o Roberto em inúmeras madrugadas. Virou meu amigo. Fiquei meio anestesiado (com essa convivência). Corta para mim, no palco. E podendo homenageá-lo a convite do Marcelo (Castello Branco). Foi um presente”, contou Klemm.

UM ESPELHO BONITO

Já Fernanda Takai destacou o fato de Rita ser a primeira mulher homenageada nas oito edições do prêmio, citou a canção “Qualquer Bobagem”, que o Pato Fu fez em homenagem ao longo relacionamento de Rita e Roberto, e lembrou dos bastidores dos shows em que se encontravam pelo Brasil. Revelou também que ela e seu marido, o músico John Ulhoa, se espelham no casal.

Fernanda Takai

Fernanda Takai

“Temos uma história também dentro da música, dentro da parceria e num casamento. É tão difícil qualquer uma dessas coisas separadas, imagina junto, né? Então, sempre foi um espelho muito bonito para nós. Teve uma vez que o Pato Fu abriu um show que era Titãs e Rita Lee. Viajamos por algumas cidades. E sempre era inexplicável esse sentimento de você estar perto de grandes ídolos, né? Quem teve a oportunidade de chegar ao camarim da Rita, uma estrela do rock, achava que devia ser aquela festa. E ela sentadinha, fazendo tricô, superconcentrada, com óculos, quietinha”, relembrou.

Sua xará Fernanda Abreu teve oportunidade de gravar um especial sobre Rita para a TV Globo, nos anos 90, e conta que ambas escolheram “Dance, Dance, Dance” para a garota carioca interpretar. Há dois anos, Beto Lee a convidou para fazer uma participação especial na turnê de sua banda. Fernanda cantou cinco músicas, das quais foi selecionada “Saúde” para defender no Prêmio UBC.

“Rita e o Roberto são especiais. Eles são uma espécie de Lennon e McCartney, de Roberto e Erasmo, são quase como se fossem um compositor só. Têm um legado tão grande, tão forte, tão potente e vigoroso, que é como se fossem uma entidade da composição”, descreveu.

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